Cheguei há pouco de uma reunião de Conselho de Turma. Geralmente, nestas reuniões "cantam-se" as notas, rectificam-se pautas e outros documentos, trata-se de papelada e fala-se um pouco sobre alguns alunos. Também é costume o Director de Turma dar conta de algumas informações pertinentes acerca dos alunos obtidas junto dos Encarregados de Educação. Desta vez a revelação que nos foi fornecida acerca de uma aluna foi deveras preocupante: a adolescente de 14 anos tinha sido vítima de assédio. Arrepiaram-me os contornos da situação: um homem já idoso, próximo da família, tê-la-ia enganado a pretexto de se encontrar na sua casa um neto, amigo da rapariga, cnvencendo-a a entrar na sua casa. Lá, ela não encontrou qualquer neto e o velho terá feito uma tentativa para a agarrar. Discutiu-se muito esta situação, entre quem defendesse medidas que passassem pela violência, ou outras de carácter burocrático eu não disse nada, só conseguia pensar no ar triste que aquela miúda tem de alguns tempos até esta parte e de desejar que ela realmente tivesse contado tudo e não tivesse passado tudo de tentativas frustradas de um velho nojento.
Por outro lado, esta história foi arranhar memórias que fui tentando apagar ao longo destes anos e que senti necessidade de as expôr aqui para libertar esses fantasmas do passado. Tinha a idade dela quando fui também vítima do assédio de um estranho. Eu regressava da escola e senti passos atrás de mim. Senti que a pessoa se aproximava, mas como os sapatos faziam barulho, julgava que se tratava de uma mulher. Houve um carro que fez uma travagem brusca atrás de mim, virei-me para trás e vi que era um homem que estava atrás de mim e que comentou "É assim que elas se dão". Eu prossegui o meu caminho e tentei acelerar o passo, já estava perto do final daquela rua sombria e deserta àquela hora. Mas ele aumentou o passo também, julguei que me fosse ultrapassar, mas não foi isso que aconteceu: o homem apalpou-me dizendo "ai querida tens um cu tão bom". Tive um impulso de fuga e não sei bem porquê, virei-me e ele aproveitou para me apalpar as mamas. Fugi, atravessei a rua a correr para ir para casa, ao abrir a porta ainda o vi a contornar a esquina a rir. Entrei em casa, o meu pai estava na sala a ver televisão, disfarcei e disse-lhe olá e fui para o meu quarto. Tinha imensa vergonha do que tinha acontecido e não contei a ninguém, mas passei dias terríveis, morria de medo ao passar naquela rua e durante anos entrava quase em pânico quando sentia passos atrás de mim a aproximarem-se.
Anos mais tarde, e na mesma rua, fui também assediada,embora verbalmente, quotidianamente por um trolha que trabalhava numa obra. Sempre que eu lá passava ele mandava-me piropos grosseiros e, mesmo que fosse acompanhada, deitava-me um olhar que me intimidava. Era praticamente impossível fugir àquela rua, mas várias vezes, tal como me disseram que a minha aluna se vê obrigada a fazer, ia pelo percurso mais longo para tentar evitá-lo. Não contei nada à minha família, sabia que se o fizesse o meu pai não se iria conter e provavelmente iria agredir aquele homem e eu não queria que nada acontecesse ao meu pai. Tentava lidar com a situação nunca olhando para ele e procurava atravessar a estrada sempre para o lado contrário ao qual ele estava. Mas passei meses muito difíceis até que a obra foi concluída e ele nunca mais apareceu.
Os assédios mesmo quando acontecem a uma mulher adulta são sempre situações perturbantes, mas quando se trata de uma criança ou adolescente, as consequências são bem piores e muito mais traumatizantes. Muitas não têm capacidade de se defender, além disso, infelizmente, a protecção à vítima nem sempre é bem conduzida e, com frequência, a vítima é olhada como sendo uma criminosa. A minha aluna, por exemplo, vive num meio pequeno. O homem em questão era uma pessoa próxima à família. Já houve quem quisesse confrontar a palavra dela com a do velho, daí que ela diga coisas como "O que é que as pessoas vão pensar de mim?".
Casos como este existem com demasiada frequência e as mentalidades são difíceis de mudar. Se hoje os piropos de trolhas, as palavras indecorosas ou os olhares lascivos pouco me afectam, quando era adolescente isso não acontecia. Ainda hoje tenho algumas preocupações com a defesa da minha integridade física, mas isso não me impede de fazer a minha vida normalmente, de andar pelas ruas que necessito porque não vou limitar a minha vida, nem prescindir da minha liberdade por causa de uma série de tarados, machistas ou frustrados sexuais.
Infelizmente o assédio sexual pode vir de onde menos se espera. Só recentemente a actriz Terry Hatcher confessou o abuso de que foi vítima por parte de um tio quando era criança. Este tinha feito o mesmo a outra rapariga que não aguentou e suicidou-se. A actriz acabou por confessar a sua experiência traumática para que ele fosse condenado pelo que havia feito a outra rapariga mais recentemente. Histórias como esta são fechadas a sete chaves nos baús familiares. A mulher acaba por calar porque as humilhações que todo e qualquer processo de denúncia lhe podem causar são terríveis. Daí que quem tenha a coragem de contar, de denunciar este tipo de actos tenha de ser tratada como uma heroína e nunca como uma criminosa e acho que é o que a minha aluna precisa de sentir neste momento.
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