Peço desculpa a quem ler este artigo pelo seu tom um pouco melancólico, mas é assim que me sinto hoje.
Tenho uma família pequena. Filha única, neta única pela parte materna, tenho 2 tios direitos e 4 primos que raramente vejo. Por muito que os laços afectivos me unam a estes familiares, exceptuando a minha prima, a minha família mais próxima além de pais e avós maternos, foi aquela que tive a sorte de a vida me dar a conhecer. Calhou um primo da minha mãe ser criado pela minha avó para fazer as vezes de irmão mais velho e ao lado da minha avó morar uma família com quem sempre tivémos excelentes relações. Zete, a mãe, foi uma avó para mim, Nela, a filha mais velha cuidou de mim quando era pequenina e tenho por ela uma ternura que sou incapaz de descrever e a filha mais nova é a minha madrinha.
A morte da Zete foi muito penosa para mim. Ela foi morrendo aos poucos, nos últimos anos já não me conhecia, repetia-se, dava-me outros nomes, mas conservava o mesmo sorriso. Quando me lembro dela é desse sorriso.
Hoje fui ao funeral do marido da Nela. Ele vivia na Alemanha, vinha cá só de vez em quando visitar a mulher. Era um homem alegre, brincalhão que me ofereceu os melhores brinquedos que tive na infância, que me proporcionou uma viagem de descapotável, que me fazia rir. O que mais custou nesta morte súbita foi a minha incapacidade para consolar a Nela. O que dizer? O que fazer? Custa tanto ver alguém de quem gostamos a sofrer. Resta-nos dar um abraço e um beijo e mais nada...
Hoje não consegui de deixar de pensar nos meus mortos. Em especial nos meus avós paternos que não pude conhecer como gostaria e na Zete. Como dizia alguém "Recordar é viver" e lembrar-me deles é a melhor homenagem que lhes posso fazer. De cada um guardo uma memória especial: as palavras da minha avó quando numa tarde de sábado esteve a ver comigo um filme e gostou, o olhar peculiar do meu avô e a última vez que o vi, o sorriso da Zete.
Além de tudo isto, não me largou o resto do dia as palavras do padre na cerimónia: "Só temos esta vida". Quando nos lembram isso e, em momentos como este, reconhecemos como somos pequenos e frágeis e como desperdiçamos o nosso tempo de maneiras tão fúteis, como é uma perda de tempo chatearmo-nos com as pessoas por coisas pequenas, como temos tantas vezes as prioridades viradas do avesso.
E por isto tudo, hoje andei zangada comigo própria por andar a desperdiçar a vida e não a fazer aquilo que queria e deveria, por não aproveitar mais o tempo para estar com aqueles de quem gosto e mostrar-lhes o quanto os amo.
A morte faz parte da vida. E de uma forma ou doutra, e de formas que não quero hoje aqui confessar, os meus mortos têm-me dado vida, embora preferisse ainda tê-los aqui comigo, tal como preferia morrer primeiro para não ficar sem aqueles que fazem hoje parte da minha vida, mas não sou eu quem decide, por isso resta-me continuar a gozar todos os momentos em que estamos juntos e esforçar-me por aproveitar bem a vida. Afinal só tenho esta vida.